O fato da legislação privilegiar o critério de menor preço não obriga a Administração Pública a adquirir materiais, equipamentos ou serviços sem a qualidade desejada. Ao contrário, é fundamental que os gestores públicos dediquem grande atenção aos aspectos técnicos e de qualidade para garantir que os materiais ou equipamentos adquiridos sirvam mais tarde para os propósitos pretendidos. Para obter maior eficiência, é necessário uma visão sistêmica no processo de contratação. A visão sistêmica leva em conta os diversos fatores organizacionais que contribuem para o sucesso das contratações.
Os principais fatores organizacionais que influenciam as contratações são o planejamento, o orçamento, a política de estoques adotada e os elementos constitutivos de qualquer organização (estrutura organizacional, processos de trabalho, tecnologia e pessoas).
Se a organização não valoriza o planejamento, as contratações serão tumultuadas porque a tendência da organização é atuar “apagando incêndios”. Isso ocorre quando as providências de contratação só começam a ser tomadas a partir do momento em que se nota a falta de algum material ou serviço e se está na iminência de causar descontinuidade na execução dos serviços da Segurança Pública.
É importante ressaltar que o planejamento está diretamente relacionado com o orçamento e que a previsão orçamentária é distinta da disponibilidade de recursos financeiros. Cada organização deve seguir a tendência atual de procurar ter o mínimo possível de materiais estocados. Esta política de estoques é o que se denomina “just in time”, isto é, os materiais devem ficar estocados nos fornecedores, somente chegando à organização na ocasião (ou muito próximo) de serem utilizados. Este tipo de política requer um efetivo planejamento, pois, caso contrário, causará transtornos e descontinuidade nos serviços da Administração.
Existem alguns componentes que estão presentes em qualquer organização, seja pública ou privada. Estes elementos são: a estrutura organizacional, as pessoas, os processos de trabalho e a tecnologia utilizada. A estrutura organizacional deve permitir agilidade e flexibilidade no processo decisório. Para tanto, recomenda-se que a estrutura seja constituída de poucos níveis hierárquicos e que as regras e normas se restrinjam a aspectos relevantes. As pessoas que trabalham na organização devem ser estimuladas a inovar e a adotar procedimentos que realmente atendam à missão maior, que é prestar serviços de qualidade. Dentre os componentes organizacionais, o mais importante são as pessoas; são elas que adotarão procedimentos mais ágeis e eficientes e que utilizarão tecnologias inovadoras na prestação dos serviços.
Com relação à gestão de contratos é necessário que todos os envolvidos desde o solicitante de materiais, equipamentos e serviços até os responsáveis diretos pela execução de licitações ou pela fiscalização de contratos tenham oportunidade de se qualificar, seja através de treinamento em serviço ou da participação em seminários, palestras ou cursos abertos.
Podemos também citar outros fatores que têm influído no sucesso ou fracasso do processo de contratação. Dentre eles estão a constituição de uma equipe multidisciplinar para conduzir o processo, o planejamento efetivo da contratação e a adoção de procedimentos mais flexíveis.
A equipe multidisciplinar deve ser composta por servidores da área técnica, da área jurídica, da área administrativa e, sempre que possível, da área orçamentário-financeira. Desta forma, as possíveis discordâncias entre os diferentes interesses e preocupações poderão ser resolvidas na fase de planejamento da contratação. Quando o processo chegar à fase externa de licitação, a equipe já debateu os aspectos legais e técnicos da contratação e teve tempo e oportunidade para formar um pensamento único e coerente.
A equipe multidisciplinar deve ser composta por profissionais que tenham disposição de enfrentar desafios, de inovar procedimentos e de caminhar juntos para obter maior eficácia nas contratações, sem ferir os preceitos legais. Não há possibilidade de que todos os membros concordem em todos os aspectos. Pelo contrário, as divergências ocorrerão e serão saudáveis, desde que discutidas logo e resolvidas por negociação. Isso promoverá o crescimento e coesão da equipe. Não é recomendado que as divergências sejam adiadas para as etapas subseqüentes da contratação.
Se, por um lado, o planejamento por si só não garante o sucesso da contratação – uma vez que existem fatores externos à organização influenciando o processo – por outro lado, a inexistência do planejamento ou de um planejamento bem feito determinará o insucesso do processo. Se as condições da licitação e do contrato não forem discutidas exaustivamente, uma a uma, certamente as próximas etapas apresentarão problemas e o tempo economizado nesta fase será gasto nas etapas subseqüentes para resolvê-los.
Podemos dizer que a contratação apresenta três momentos dentre eles a licitação, o planejamento e o gerenciamento do contrato. Percebemos que a Administração Pública tem preocupado-se muito com a fase de licitação, deixando as demais fases relegadas a um segundo plano. Isto tem prejudicado a eficácia das contratações. Percebe-se, também, que os gestores públicos têm adotado interpretações muito rígidas dos dispositivos legais. A ineficácia dos contratos se deve muito mais a procedimentos burocráticos e rígidos adotados pela Administração Pública, do que aos dispositivos legais.
Para obtermos uma visão sistêmica do processo de contratação dizemos que a contratação engloba três fases, o planejamento que constitui a fase interna, a licitação, que constitui a fase externa e a execução do contrato que se inicia com o planejamento, ou o que denominamos de atos internos, e somente termina com o recebimento definitivo do objeto contratado.
Dentre as fases do processo de contratação podemos citar a fase interna ou planejamento da contratação·onde detectamos suas necessidades de materiais, equipamentos, serviços e obras, a elaboração das especificações técnicas, a estimação do valor da licitação, verifica as disponibilidades orçamentárias, determina a modalidade de licitação ou a existência de pressuposto para dispensa/ inexigibilidade de licitação, elabora a minuta do edital ou convite, autoriza a realização da licitação indica os recursos orçamentários que darão suporte às despesas.
É muito importante que o processo seja planejado, executado e avaliado por uma equipe multidisciplinar, que envolva e comprometa as diversas áreas da Administração com o sucesso do processo de contratação. Recomenda-se, assim, a constituição de uma Comissão Especial de Licitação multidisciplinar, que assuma a responsabilidade pelo processo desde a sua fase de planejamento até a efetiva contratação dos bens ou serviços pretendidos.
Na fase interna o ordenador de despesa nomeia uma Comissão de Licitação, que ficará responsável pelo procedimento até o término da etapa de julgamento das propostas. Uma vez definida a proposta vencedora pela Comissão de Licitação, o ordenador de despesas receberá novamente o processo para proceder aos atos de adjudicação, homologação e contratação, que são de sua responsabilidade e não podem ser delegados. Isto não quer dizer que o ordenador não possa se aconselhar com a consultoria jurídica ou com algum setor técnico para depois proceder aos atos.
A Comissão de Licitação poderá ser permanente ou especial. A Comissão especial é aquela encarregada de apenas um processo licitatório, enquanto a permanente é responsável por todos os processos de licitação durante a vigência do período de sua nomeação, normalmente de um ano.
A Administração deve efetuar a contratação sem o prévio procedimento licitatório. É o interesse social que exige a contratação sem licitação. Assim, a Administração está proibida de realizá-la, pois se o fizesse estaria contrariando o interesse social tutelado pelo ordenamento jurídico, o aumento da eficiência da Administração deve ter por objetivo atender não ao interesse da Administração, mas ao da sociedade.
A noção de que a Administração Pública tem o dever e não o poder de dispensar a licitação, ganha maior relevância quando se trata de aplicar o art. 24, I e II, da Lei 8.666/93. Esse dispositivo estabeleceu que em razão do preço a licitação poderá ser dispensável.
A situação de serviços de obras e engenharia em que a não atuação por parte do gestor público acarretaria em transtornos à administração pública, ou seja, com a realização de benfeitoria úteis ou necessárias, são casos típicos do dever jurídico do gestor em não realizar licitação. Ainda segundo FERNANDES107, grifo nosso:
O reduzido valor do objeto a ser contratado colocaria em conflito o princípio da licitação e o da economicidade, ensejando um gasto superior à vantagem direta aferível pela Administração, decidindo o legislador, à vista do interesse público, pela prevalência do segundo.
Toda compra requer planejamento, portanto, todo administrador tem por obrigação, dever jurídico, prever para que possa ser viabilizado o serviço administrativo. Nesse sentido cita-se FERNANDES108:
Tema importante diz respeito às compras promovidas pela Administração Pública: devem ser precedidas de planejamento109 e ocorrer em oportunidades/períodos preestabelecidos. A compra deve ser feita de uma só vez, pela modalidade compatível com a estimativa da totalidade do valor a ser adquirido, mas sempre permitida a cotação por item, conforme pacífica jurisprudência sobre o assunto.
Contudo vale ressaltar que em situações de risco onde ocorra possibilidade de prejuízo à administração, mesmo que essa imprevisibilidade tenha sido ocasionada por displicência do administrador público, não poderá a sociedade ser duplamente penalizada, sendo portanto, a licitação dispensada em qualquer caso.110
De qualquer modo evidencia-se que conforme a lição de Lúcia Vale Figueiredo, amparada em Cintra do Amaral, apud FERNANDES111:
Mais adiante vai distinguir a emergência ‘real’, resultante do imprevisível, daquela resultante da inércia ou inércia administrativa. A ambas dá idêntico tratamento, no que atina a possibilidade de contratação direta. Porém, não exime o responsável pela falha administrativa de sofrer as sanções disciplinares compatíveis.
Em nosso entender, somente dessa forma ficaria satisfeito o princípio da moralidade administrativa, isto é, se, realmente, responsabilizado for o funcionário que deu causa à situação surgida.
A explanação acima objetiva esclarecer que não é possível dispensar a licitação por falta de providências no tempo oportuno, isto significa, que não fica a cargo do administrador, dispensar uma licitação, ou fragmentar despesas, ou mesmo disfarçá-la com o simples intuito de conseguir fraudar um procedimento, que tem como regra absoluta, em razão do ordenamento jurídico, como é o caso da licitação. Contudo com fundamentação no princípio do interesse público tendo ocorrido imprevisibilidade, ou simplesmente, casos extraordinários ao conhecimento do homo medius, não se pode deixar de dispensar a licitação, já que essa possibilidade não é mero alternativa para o gestor e sim, dever jurídico em razão do princípio da continuidade do serviço público.
109 O TCU tem recomendado, quando da realização de despesas, que o órgão proceda a um adequado planejamento de seus procedimentos licitatórios, em conformidade com a disponibilidade de créditos orçamentários e recursos financeiros. Deve objetivar contratações de serviços e aquisições de pequeno valor, de igual natureza, semelhança ou afinidade, realizadas por dispensa de licitação, fundamentada no inc. II do art. 24 da Lei n° 8.666/93. Processo TC – n° 013.428/97-7, TCU, publicado no DOU de 28.08.98, p. 37.
111 Ibid.
Fonte: COSTA, Joselito Mendes. DISPENSA DE LICITAÇÃO: o dever jurídico dos gestores públicos de não licitar em situações pertinentes à Polícia Militar do Maranhão/ Joselito Mendes Costa. - São Luís, 2003.
Fonte: COSTA, Joselito Mendes. DISPENSA DE LICITAÇÃO: o dever jurídico dos gestores públicos de não licitar em situações pertinentes à Polícia Militar do Maranhão/ Joselito Mendes Costa. - São Luís, 2003.
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